BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Aprovar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 sem a criação do imposto mínimo para altas rendas não só desequilibra as contas públicas, mas também tende a agravar a desigualdade no país, afirma o Ministério da Fazenda em estudo divulgado nesta sexta-feira (13).
Simulações feitas pela SPE (Secretaria de Política Econômica) mostram que ampliar a cobrança do imposto sobre o topo da pirâmide é determinante para que a proposta reduza a desigualdade medida pelo índice de Gini, indicador que reflete a concentração de renda em um país.
A divulgação dos cálculos ocorre no momento em que a Câmara analisa a proposta, encaminhada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no fim do ano ado.
Enquanto a isenção até R$ 5.000 reúne amplo apoio político, a criação do imposto mínimo enfrenta resistências no Legislativo ao tentar impor uma carga maior para quem hoje recebe a maior parte de sua renda de fontes isentas (como lucros e dividendos).
A SPE também estimou o efeito prático do imposto mínimo para quem está no topo da pirâmide de rendimentos. A proposta prevê uma alíquota mínima de até 10% para quem ganha a partir de R$ 50 mil por mês. O foco da cobrança são aqueles que hoje recolhem menos que esse percentual graças às isenções.
Sob as regras atuais, o 0,01% mais rico -grupo de contribuintes com renda média mensal de R$ 5,3 milhões- paga uma alíquota efetiva de 5,67%, equivalente aos 5,77% recolhidos por quem ganha em média R$ 7.294,74 ao mês.
Com o imposto mínimo, o 0,01% aria a ter uma alíquota efetiva média de 8,25%, próxima aos 8,36% arcados pelo grupo de contribuintes com renda média mensal de R$ 9.799,03.
A alíquota efetiva retrata a proporção entre o imposto pago pelo contribuinte e sua renda declarada. Ela costuma ser menor do que a alíquota nominal (de até 27,5%) porque leva em conta isenções e abatimentos previstos em lei.
Uma das principais fontes de renda isenta é a distribuição de lucros e dividendos de empresas a pessoas físicas. Como mostrou a Folha de S.Paulo, o recebimento dessas verbas chegou a R$ 1 trilhão em 2023, concentradas entre contribuintes de alta renda.
Embora os valores nominais recolhidos sejam de ordens de grandeza diferentes, a similaridade da alíquota efetiva entre grupos com rendas tão distantes é apontada pelo governo como um indício das distorções existentes hoje no IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).
O estudo da SPE cruza dados da declaração do IRPF 2023 (ano-base 2022) e da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua anual para construir uma versão mais completa da pirâmide de renda brasileira.
Essa combinação é importante porque a Pnad reúne dados sobre a renda da parcela mais pobre da população, que não declara IRPF. Já a Receita Federal recebe informações mais precisas sobre os rendimentos dos grupos mais ricos. Juntas, as duas bases se complementam.
A partir dessa combinação, a SPE simulou três cenários: sob as regras atuais, apenas com a isenção de IR até R$ 5.000 (com descontos progressivos para quem ganha até R$ 7.000) e com a proposta completa (isenção mais a criação do imposto mínimo para altas rendas). Os resultados foram calculados como se cada uma das mudanças estivesse em vigor no ano de 2022.
Sob as regras atuais, o índice de Gini entre a população adulta brasileira foi estimado em 0,6185. Quanto mais próximo de 1 é o resultado, maior é a concentração de renda no país.
No cenário apenas com a isenção até R$ 5.000, as estimativas apontam que o IRPF se tornaria mais progressivo quando avaliados apenas os efeitos sobre os contribuintes do imposto. No entanto, a desigualdade de renda entre a população adulta se agravaria no país, uma vez que os mais pobres (já isentos) não teriam nenhum benefício adicional, e os contribuintes do topo continuariam usufruindo de isenções. O índice de Gini subiria a 0,6192.
Já o cenário de aprovação da isenção atrelada ao imposto mínimo para altas rendas, segundo a Fazenda, reduziria a desigualdade. Com a proposta completa, o índice de Gini cairia a 0,6178.
Em entrevista coletiva para apresentar os resultados, o coordenador-geral de Estudos Fiscais e Socioeconômicos da SPE, Rafael de Acypreste, afirmou que a redução do índice de Gini a partir da criação do imposto mínimo, embora pareça discreta, é muito significativa, já que esse indicador tem poucas oscilações.
“É como se fosse um maratonista de alto rendimento. Conseguir reduzir um segundo no tempo dele é algo muito difícil. Então, reduzir um pouquinho o nosso índice de Gini, percebam que o esforço é grande. A gente espera que o Congresso Nacional entenda o nosso esforço”, disse.
Na discussão do projeto, parlamentares defendem buscar medidas alternativas de arrecadação para compensar a perda de receitas com a isenção até R$ 5.000. No entanto, a SPE ressalta no estudo que o impacto fiscal neutro não é o único motivo por trás da proposta de imposto mínimo.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que o efeito distributivo da reforma “depende da tributação dos super-ricos como foi proposta”.
“Do ponto de vista fiscal, sempre pode pensar em outras compensações. Receita é receita, ela pode vir do pobre, ela pode vir do rico, das empresas, ela pode vir de vários lugares. Mas se você fizer uma compensação diferente da que foi proposta, a reforma pode se tornar regressiva, pode aumentar a concentração [de renda] em vez de reduzir, o que não é o objetivo de ninguém”, alertou Mello.
“Fizemos uma proposta muito calibrada. Outras propostas podem manter o equilíbrio [fiscal], mas elas provavelmente não terão a capacidade de manter a justiça tributária, e é importante deixar isso claro”, acrescentou o secretário.
A subsecretária de Política Fiscal da SPE, Débora Freire, ressaltou que o estudo mede os impactos diretos da reforma no IRPF, mas há também possíveis efeitos indiretos, uma vez que reduzir a desigualdade atual favorece, no futuro, maiores chances de mobilidade e ascensão social de quem nasce em grupos mais vulneráveis.
Ela também defendeu a criação do imposto mínimo como forma de corrigir distorções no IRPF. “É muito importante que o custeio da isenção seja feito no próprio IRPF e no topo da distribuição. Qualquer medida que mantenha status quo de alíquotas efetivas muito baixas não segue princípios de justiça fiscal e justiça social”, disse.